sexta-feira, 27 de maio de 2016

O MONSTRO DO ARRUDAS & OUTRAS LAMAS: DE FERNANDO RIGHI


Ser poeta ou escritor não se resume apenas a habilidade de escrever com técnica. Eu, por exemplo, não acredito nos escritores robóticos. Fernando Righi é um poeta e escritor de muita sensibilidade, aquela mesma sensibilidade que o faz perceber pormenores no seu cotidiano e os transforma em literatura e das melhores: O Monstro do Arrudas & Outras Lamas (Editora Ramalhete) nos revela isso, um livro de excelente qualidade literária, escrito por um escritor que não se propõe a ser famoso, num mundo onde medíocres buscam os holofotes.
Composto de 12 contos, O Monstro do Arrudas & Outras Lamas fala de Seu Antonio, que depois de perder a fé, encontrou-a em seu EU como forma de libertação; um colecionador de coisas sem utilidades, que perdeu seu tempo na vida em coleções e no fim descobre: - Pra quê?; O conto que dá título ao livro, bem caberia num filme hollywoodiano, por acima de tudo, conter um final poético; o drama do poeta para ser lido, talvez ainda fato corriqueiro nos dias atuais, nessa falta humana de sensibilidade; de forma sacana e com seriedade, Salvador, um boêmio qualquer que descobre provar de forma indireta aos técnicos da literatura, que um velhinho que usou apenas a sua sensibilidade (como Carolina de jesus fez em seu Quarto de Despejo) pode sim, escrever uma obra prima. Pena apenas que esse segredo não é revelado; após uma farra movida a várias geladinhas, num ménage à trois, as frustrações mais do que humanas do amigo de infância, transforma uma suruba numa tragédia de fazer inveja a Nelson Rodrigues; dois funcionários da politicagem se vêem num encontro fantasmagórico entre passado e presente e seus questionamentos os fazem repensar suas vidas; um valor a principio, desviado para caixa dois, é desviado para outras vias, levando Silva a descobrir uma novo rumo a sua vida; usando de metáforas, como a cor por exemplo, o autor nos mostra que interesses capitalistas manobram sim, nossas vidas e até a legislação política de quem não faz parte do esquema, mesmo que esse fato prejudique nossa ecologia; de maneira satírica, faz reflexões sobre a vida, no momento da morte por uma bala perdida (achada) num assalto a padaria; um jornalista em sua pauta diária, observa que os tempos politicamente, sempre foram os mesmos, apenas a gente é que não percebe; e por fim, o “Miniconto abobrinha” faz uma brincadeira gostosa de se ler com Beethoven e The Beatles.
Fernando Right é natural de Belo Horizonte. É jornalista, poeta e escritor. Incluindo esse O Monstro do Arrudas & Outras Lamas publicou dez livros, sendo que a estréia se deu com Estrelas nos Olhos, Vaga-lumes na Cabeça (2005). Publicou também em 2014 Construindo Beethoven peça a Peça, um compêndio que  analisa os diversos aspectos históricos e filosóficos que motivaram a criação das principais obras do compositor alemão.
O Monstro do Arrudas & Outras Lamas é um livro divertido, sério, reflexivo, escrito por um dos escritores que mais admiro neste país de poucas leituras, que fala da vida e de valores dessa mesma vida. Esse com certeza eu indico para quem gosta de uma boa literatura.


quarta-feira, 4 de maio de 2016

CARNE DE UMBIGO: DE MARIA REZENDE


Por Rogério Salgado

Dona de uma poesia visceral, porém de excelente qualidade literária e estética, Maria Rezende em seu Carne de umbigo (Edição da Autora) escreve como quem dialoga com o leitor, numa conversa íntima numa mesa de bar. Sua poesia é simples e aí é que está o grande desafio: escrever para ser entendida com facilidade, sem cair no simplesco ou lugar comum. E justamente por não obedecer a regras, sua poesia é livre de cercas, contratos de risco e burocracias (incluindo censuras), atingindo o leitor em cheio, encantando-o com sua delicadeza às vezes agressiva.
A poesia de Maria Rezende não imita ninguém, é autêntica e fala por si mesma, com a sinceridade que vem impregnada em seus versos. É uma poesia que dá a cara a tapa, expondo sentimentos, com a palavra enxuta na medida certa.
Vejamos: “A lua na janela\como uma injustiça\como um rapto\A lua na janela do quarto\em noite de nudez sem platéia\A lua cheia\barriga branca da baleia\peixe no aquário do sistema solar\A lua espelho\morta\sem luz própria\Na janela do quarto\contra o céu cor de petróleo\Braços se agitam\pés se contorcem\doem cabeças\corações\No Hemisfério Sul\na exata latitude de um abraço\tiro com suor alheio o preto dos olhos\Ela congela\eu incendeio\Eu nua na janela\A lua na cama entre os lençóis"
Maria Rezende em seus versos, fala de amor sem ser repetitiva, como quando diz: “(...)\Quando eu te vi você virou um tubarão\eu fui areia\fui espuma\imensidão\Eu elefante\você todas as formigas\eu gata branca\você tigre\escorpião\Eram seis listras num azul de fim de tarde\tinha uma luz inesperada sobre mim\Quando eu te vi o que era dentro virou fora\uma janela apareceu quando eu te vi”
Em meu livro Quermesses (e outros poemas profanos) (Belô Poético-2005), eu já dizia: “Palavras, o que são palavras\senão apenas sons emitidos pela boca\que se dependessem da moralidade\algumas seriam apenas\sons omitidos pela boca.” E isso se confirma quando Sebastião Nunes publicou Elogio a punheta e foi crucificado em pleno século XX e agora o poema “Malaysian Airlines”, o melhor deste Carne de umbigo, porque seria impublicável num jornal da capital mineira (quiçá, qualquer jornal), por causa de censuras da nossa tradicional família mineira (novamente, quiçá, brasileira) a palavras segundo a qual, seriam impublicáveis. Mas fica a curiosidade de quem queira ler impresso nas páginas do livro.
Com mais de dez anos de estrada literária, Maria Rezende é poeta, carioca, atriz, montadora de cinema e TV. Cozinha banquetes para pequenas multidões pedala uma bicicleta florida, dança sem música em dias nublados, é a medrosa mais corajosa que conhece e escreve muito, muito bem mesmo. E publicou três livros, incluindo este Carne de umbigo.
Publicado de forma independente, Carne de umbigo é um livro que mexe com a sensibilidade do leitor, até mesmo aquele que não curte muito poesia se encantará com a poesia de Maria Rezende. E quem diz que “Se a vida te der um presente\aproveita\Ela tem me dado vários\entre porradas e passos de dança\eu mastigo tudo em movimentos concêntricos\depois bebo chá verde pra digerir\(...) merece ser lida, relida, comida e mastigada com todo o respeito que os verdadeiros poetas merecem. Esse eu indico.

Contato: e-mail: mariadapoesia@yahoo.com.br – facebook.com: mariadapoesia