domingo, 14 de fevereiro de 2021

A HISTÓRIA REVIVE A OBRA DO POETA MAURO FONSECA

Foi nos idos de 1985, em que eu e os poetas Wagner Torres e Virgínia Reis fomos uns dos cabeças do EPC\Encontro Popular de Cultura; que conheci um poeta que muito chamou a minha atenção, pela riqueza de sua obra e pela doçura de seus gestos: trata-se do saudoso Mauro Fonseca, que esteve presente no EPC juntamente com a turma de poetas da cidade de Juiz de Fora. Mauro era um daqueles poetas sensíveis, que buscavam refúgio nos bares e ali extravasava toda a sua poesia. Uma bela amizade entre nós aconteceu.

Em 1986 estive em Juiz de Fora e num evento literário nos reencontramos, quando recebi de suas mãos autografado, seu livro: “Não há sinal de porto algum”. Mas, lamentavelmente, em 1988 fiquei sabendo de sua trágica morte. Alguns dias se passaram e liguei para a Funalfa\ Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage e sugeri que não deixassem que a obra desse excelente poeta se perdesse por aí. Somente em 2020, ao pesquisar na internet, fiquei sabendo que seu filho, o jornalista Mauro Morais reuniu seus dois livros: “Não sou náufrago na ilha de ninguém” (1982) e “Não há sinal de porto algum” (1984), além de outros 300 poemas inéditos, na coletânea “Entre o aborto e o parto”, publicado através do incentivo cultural da Lei Murilo Mendes. O lançamento aconteceu em 2015 com a exposição “Entre a foto e o fato” e o lançamento do referido livro.

Essa antologia que revela a trajetória e a obra de Mauro Fonseca se confunde com um dos momentos mais importantes da vida cultural da cidade: uma firme atuação literária da geração poética juizdeforana, na década de 80. Em suas mais de 450 páginas, “O aborto e o parto”, nos revela que o verso livre predomina e os temas abordados nos poemas dialogam entre si. Há ênfase nas circunstâncias políticas e sociais e da repercussão desses acontecimentos na alma do autor.  Destaque na obra são também os dois textos do organizador dessa coletânea. Há uma introdução em que Morais conta a história dos movimentos dos grupos “Abre Alas” e da “D’Lira” e do grau e do modo de participação de seu pai nesses grupos. Contudo, é no texto de abertura, “As palavras resistem à corda”, que está prenunciado o valor e o significado do livro. Diz Mauro, o filho, num trecho: – “(…) Coloco-me nu em minhas profundas dores para dizer que quaisquer leituras não dão conta de apresentar um poeta que também é pai. Um escritor que fez em sua pena construção da paternidade.(...)” Leiamos os versos de Mauro Fonseca: “sim, eu preferia minha boca cerrada\se num segundo trouxesse\no bojo da palavra\alguma esperança vã.\agora\lanço no poema o carrocel, a ciranda,\o doce da venda, a fruta maçã...\(ah, quem dera um grito amigo\pra acordar o homem todas as manhãs).”

Foi em 21 de maio de 2015, no aniversário de 53 anos de Mauro Fonseca e lançamento da antologia “Entre o aborto e o parto”, que o poeta Fernando Fiorese leu sua homenagem a este poeta: “Foi aos dezessete anos que conheci o poeta Mauro Fonseca.(...) Aos dezessete anos, conheci o poeta Mauro Fonseca e topei com a obra do voyant Rimbaud. Eram tempos férreos e feéricos, como costumam ser os verdes anos da juventude e como foram os anos de chumbo da ditadura militar (1964-1985). (...) A imagem daquele jovem sozinho e silencioso, assentado nos primeiros degraus de uma escada nos fundos de um enorme salão branco – o corpo pequeno, magro e como que contorcido por um qualquer incômodo físico ou espiritual inominável; os cabelos em desalinho; calça e camisa despreocupadas por inteiro da moda; um cigarro transitando nervoso entre a mão e a boca; as pernas recolhidas, talvez pouco à vontade porque suspensa a errância que lhes era própria; o olhar ora alheio, ora oblíquo, ora lâmina –, a essa imagem colou-se de forma indelével as figurações e as lendas em torno de Rimbaud. Em segredo, sem que nem mesmo ele soubesse, tornou-se um meu Rimbaud pessoal, doméstico, contemporâneo, tangível. (...)”

A mãe de Mauro Morais se encontrava no quinto mês de gestação quando Mauro Fonseca fez da sua morte, seu maior poema de protesto. Era o ano de 1988 e o poeta estava com 25 anos de idade. Em vida, integrou uma geração de escritores literários muito ativos em Juiz de Fora, como Luiz Ruffato, Iacyr Anderson Freitas e Fernando Fiorese.

Nascido quatro meses após o falecimento do pai, o meio pelo qual Mauro Morais travou conhecimento e intimidade com Mauro Fonseca foi através de sua obra. Se a morte física separou pai e filho, a literatura os reuniu.

A publicação de “Entre o aborto e o parto” veio resgatar historicamente a poesia daquele que considero um dos mais importantes poetas da geração dos anos 80. Pena que o livro encontra-se praticamente esgotado, mas após pesquisa descobri que alguns poucos exemplares estão sendo vendidos no site: www.estantevirtual.com.br

Informações sobre a obra do poeta Mauro Fonseca poderão ser encontradas com facilidade no Google.