quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

MÁRIO GOMES, POETA SÍMBOLO DA LIBERDADE, MORRE AOS 67 ANOS.

A literatura brasileira perdeu neste último dia de 2014, o poeta Mário Gomes. O poeta morreu aos 67 anos. Ele estava internado no Instituto Doutror José Frota, em Fortaleza\CE, desde 29 de dezembro. A notícia foi dada pelo artista visual Tota, amigo de poeta. O poeta andarilho foi encontrado desacordado por dois dias seguidos nos arredores do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, na Praia de Iracema, em Fortaleza\CE,  sem se alimentar e sem beber e, aparentemente inconsciente.
O IJF divulgou, em nota, o estado de saúde do poeta:"O paciente chegou ao hospital em estado grave, desorientado, extremamente debilitado, com um quadro profundo de anemia”. 
Mário Gomes foi encaminhado ao hospital somente na quarta tentativa de socorro, como explicou seu amigo Tota.
O enterro ocorreu durante a manhã do 1º dia de 2015, no Cemitério da Parangaba. A mãe do poeta foi enterrada neste mesmo local.
Mário Gomes teve uma trajetória de vida toda dedicada a poesia e a liberdade. “Mário é um homem da rua, da vida e da poesia, largado de qualquer ambição. Botá-lo dentro de uma casa, seria prendê-lo.” disse uma vez o teatrólogo  Oswald Barroso.
Hoje, as ruas de Fortaleza perderam seu principal andarilho. A trajetória de uma “vida dentro dos sapatos”, como bem disse a jornalista do jornal O Povo, Ethel de Paula, sobre o modo de viver de Mário Gomes. Seus admiradores e amigos se lembrarão sempre da figura desalinhada e profundamente poética, daquele que fez da Praça do Ferreira, seu escritório. Por opção, ele preferiu largar qualquer apego pela ambição para viver livre. Mesmo vivendo em situação de miséria nas ruas, Mário Gomes não abria mão da vaidade. Era comum vê-lo pelas ruas vestindo paletó sem gravata, sua marca registrada, e sapatos de bico fino. “Para mim, ele é uma lenda urbana, um personagem da cidade imprescindível. (...) Ele é uma pessoa que viveu de uma maneira mais radical à poesia. Mário era consciente desse modo de vida e enveredou por esse caminho da maneira mais conseqüente.” Afirma o teatrólogo Oswald Barroso.
O vereador e futuro Secretário de Cultura do Estado de Pernambuco, Guilherme Santana (PT), lamentou a morte de Mário e enalteceu a figura do poeta para a cultura cearence. “A morte de Mário Gomes fecha um ano de muitas perdas na literatura e nas artes. Gabriel Garcia Marquez, João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves, Ariano Suassuna e tantos outros que partiram e dedicaram em vida seu pensar a todos nós, cultivo e preservação da obra do Poeta Descomunal. Salve Mário Gomes!” disse Guilherme.
Em entrevista a jornalista Ethel de Paula, ele afirmou ter feito 17 viagens a pé ou de carona. Filho de costureira e motorista, ele colecionou amigos em sua trajetória de sapatos, através da poesia, da boemia e da liberdade que nunca abriu mão.
O jornalista, escritor e amigo do poeta, Auriberto Cavalcante Vidal foi outro que lamentou a morte do companheiro de aventuras da juventude. "Conheci o Mário na década de 80, participamos de muita boemia, noitadas. Declamamos muita poesia no meio da rua, na praia. A gente sempre batia um papo (nas praças e ruas) e quando me via, ele sempre tirava do bolso uma poesia nova. É lamentável (a morte de Mário). Ele é um poeta que não existe outro igual no Brasil", disse. Vidal afirmou que acompanhou os últimos momentos de Mário Gomes e buscava ajuda, junto com outros amigos, para cuidar melhor do poeta. "Há muito tempo que a gente vem postando nas redes sociais que as autoridades deveriam ajudar, pois os amigos não podiam fazer muita coisa. A gente estava cobrando uma atenção, um cuidado, mas ninguém nunca fez nada. Ele vivia largado mesmo. É realmente uma tristeza. A literatura, a poesia cearense, estão de luto. A poesia está chorando a partida do Mário Gomes", afirmou.
Natural de Fortaleza, Mário Gomes nasceu na Rua Sousa Carvalho nº 357, no dia 23 de julho de 1947 e se descobriu poeta aos 18 anos. Publicou 8 livros e tem uma biografia intitulada “Mário Gomes, poeta, santo e bandido” escrita pelo escritor e amigo Márcio Catunda. Sua ocupação profissional era vagabundo e malandro, pois trabalhou apenas um ano de carteira assinada. Seu maior desafio? Viver sem trabalhar. O que mais gostava na vida era ser poeta.
Abaixo dois poemas de Mário Gomes.

METAMORFOSE

Ontem,
ao meio dia,
comi um prato de lagartas
passei a tarde defecando borboletas.

Quando eu morrer
irão distribuir minhas camisas,
minhas calças, minhas meias, meus sapatos.
As cuecas jogarão fora.
Ninguém usa cueca de defunto.
Irão vasculhar minha gaveta.
Vão encontrar muita poesia,
documentos e documentários.
Só sei dizer
que foi gostoso viver.
Sentir o amor e proteção de minha mãe.
De conhecer meus irmãos, meus amigos.
De ver de perto as mulheres.
Só posso deixar escrito:
“obrigado vida”. "




3 comentários:

Unknown disse...

Muito emocionante esse artigo, assim como a própria vida desse poeta! Testemunhou, concretamente, o limite da liberdade, bandeira que não levantou apenas no mundo teórico da poesia.Esse foi um grande guerreiro porque enfrentou o maior desafio, vivendo sem trabalhar, no sentido capitalista, como prega todo esse nosso sistema!
Grande poeta, mostrou-nos a beleza de um outro mundo, rindo deste.

Ricardo Alfaya disse...

Márcio Catunda levou-me a conhecer a biografia e parte da obra de Mário Gomes. Um poeta realmente singular, com uma história não apenas comovente, mas uma verdadeira denúncia da dureza e indiferença desses nossos dias capitalistas. Bem ou mal e, sem dúvida, sofrendo muito, Mário conseguiu o que beira o impossível: chegar aos 67 anos praticamente sem escravizar-se às regras do capitalismo burocrático. Trabalhar ele trabalhou, pois fez oito livros e conta-se que organizava saraus. Sem falar na figura simbólica e emblemática que representava. No entanto, trabalhou fora do sistema, alheio ao mercado formal, a que serviu apenas, muito ligeiramente, no papel de professor, em sua juventude. Parabéns pela lembrança, Rogério Salgado.

ANDRÉ BOWNI disse...

Não conheci o poeta Mário Gomes, mas depois de ler esse artigo, percebi a sensibilidade e sinceridade desse homem simples apaixonado pela poesia. Ele viveu da forma que achou melhor.Ele foi muito feliz no agradecimento do verso final do poema: "Obrigado,vida". Que Deus console seus amigos e parentes.

Kelly Cristina Pereira.