Ser poeta ou escritor
não se resume apenas a habilidade de escrever com técnica. Eu, por exemplo, não
acredito nos escritores robóticos. Fernando Righi é um poeta e escritor de
muita sensibilidade, aquela mesma sensibilidade que o faz perceber pormenores no
seu cotidiano e os transforma em literatura e das melhores: O Monstro do Arrudas & Outras Lamas (Editora
Ramalhete) nos revela isso, um livro de excelente qualidade literária, escrito
por um escritor que não se propõe a ser famoso, num mundo onde medíocres buscam
os holofotes.
Composto de 12 contos, O Monstro do Arrudas & Outras Lamas
fala de Seu Antonio, que depois de perder a fé, encontrou-a em seu EU como
forma de libertação; um colecionador de coisas sem utilidades, que perdeu seu
tempo na vida em coleções e no fim descobre: - Pra quê?; O conto que dá título ao livro, bem caberia num filme
hollywoodiano, por acima de tudo, conter um final poético; o drama do poeta
para ser lido, talvez ainda fato corriqueiro nos dias atuais, nessa falta
humana de sensibilidade; de forma sacana e com seriedade, Salvador, um boêmio
qualquer que descobre provar de forma indireta aos técnicos da literatura, que
um velhinho que usou apenas a sua sensibilidade (como Carolina de jesus fez em
seu Quarto de Despejo) pode sim, escrever
uma obra prima. Pena apenas que esse segredo não é revelado; após uma farra
movida a várias geladinhas, num ménage à trois, as frustrações mais do que
humanas do amigo de infância, transforma uma suruba numa tragédia de fazer
inveja a Nelson Rodrigues; dois funcionários da politicagem se vêem num
encontro fantasmagórico entre passado e presente e seus questionamentos os
fazem repensar suas vidas; um valor a principio, desviado para caixa dois, é
desviado para outras vias, levando Silva a descobrir uma novo rumo a sua vida;
usando de metáforas, como a cor por exemplo, o autor nos mostra que interesses
capitalistas manobram sim, nossas vidas e até a legislação política de quem não
faz parte do esquema, mesmo que esse fato prejudique nossa ecologia; de maneira
satírica, faz reflexões sobre a vida, no momento da morte por uma bala perdida
(achada) num assalto a padaria; um jornalista em sua pauta diária, observa que
os tempos politicamente, sempre foram os mesmos, apenas a gente é que não
percebe; e por fim, o “Miniconto abobrinha” faz uma brincadeira gostosa de se
ler com Beethoven e The Beatles.
Fernando Right é natural de Belo Horizonte. É jornalista, poeta e escritor.
Incluindo esse O
Monstro do Arrudas & Outras Lamas publicou dez livros,
sendo que a estréia se deu com Estrelas nos Olhos, Vaga-lumes na Cabeça (2005). Publicou também em 2014 Construindo Beethoven peça a Peça, um compêndio que analisa
os diversos aspectos históricos e filosóficos que motivaram a criação das
principais obras do compositor alemão.
O Monstro do Arrudas & Outras Lamas é um livro divertido, sério, reflexivo, escrito por um
dos escritores que mais admiro neste país de poucas leituras, que fala da vida
e de valores dessa mesma vida. Esse com certeza eu indico para quem gosta de
uma boa literatura.
Um comentário:
Sabe, Rogério, o caso do velhinho que morreu num quarto de pensão é verdade? Na época que eu ainda bebia horrores, acho que foi em 2001 ou 2002, morava numa pensão da Floresta um conhecido guitarrista de blues, Bruno Avanzato. Eu, bebendo numa manhã, emendando mais uma noite infernal, me encontrei com ele num bar, e conversamos por uma hora (rende uns três contos as histórias que me contou de sua vida). Pois bem, anunciava ele que um velhinho com quem dividia o quarto da pensão, morrera e lhe confiara uma mala cheia de escritos. Me ofereceu e fiquei tentado em pegar aquilo. Confissões de uma vida inteira sem alguém para ouvir! Mas, mesmo "pra lá de Badgá", me contive. Lembrei de uma frase de Sartre que dizia que "você abrisse o livro sobre a mesa, seria responsável por ele". O resto é invencionice. Avanzato era um cara bem peculiar. Quando sua mãe morreu, ele vendeu tudo e veio para o Brasil, viver do Blues. Casou-se com uma baiana, que, parece, passou a mão na grana toda. Morreu quase como uma indigente em BH. Mas tinha uma pega na guitarra e uma voz para cantar blues que nunca vi por aqui. Sujeito interessante e que merecia destino melhor. Mas assim, é a vida... Quantos desperdícios não testemunhamos neste meio artístico?
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