Em
abril deste passado fez-se um ano sem a presença física em nossas vidas, do meu
amigo Kapi. Eu o conheci nos áureos
tempos do Teatro Escola de Cultura Dramática, no qual tínhamos Orávio de Campos Soares como Mestre. Era os idos da década de
70, plena ditadura militar. Kapi se enveredou pelos palcos e revolucionou com o
teatro em Campos dos Goytacazes, interior do estado do Rio de Janeiro, minha
terra natal.
Nascido
Antonio Roberto de Góis
Cavalcanti, Kapi tornou-se um dos teatrólogos, diretores teatrais e poetas mais
geniais que conheci. Ousado, Kapi lançou o primeiro nu frontal, para um ator,
em Campos dos Goytacazes, trabalhou com Orávio em “O arquiteto e o imperador da
Assíria” de Fernando Arrabal. O trabalho poético de Kapi está no “Manual da
criação de ratos”, livro de 1984 com a poeta Eloah Marconi. Nele estão poemas
como “Canção amiga”, “Sangue na cidade e “Aquarela”. A peça teatral “Pontal”
foi baseada em poemas de sua autoria e de outros autores, tais como Aluysio
Abreu Barbosa, Artur Gomes e Adriana Medeiros. Kapi também assinou a direção de
“Romanceiro da Inconfidência” de Cecília Meireles e “Profanus”, peça
revolucionária para a época, de Antonio Roberto Fernandes. Como ator, Kapi
esteve em vários espetáculos, tais como “O pagador de Promessas” de Dias Gomes,
com direção de Gildo Henriques, no qual interpretou um repórter. Ele inaugurou
o novo Teatro Trianon, dirigindo a peça “Gota d`água” de Chico Buarque e Paulo
Pontes. A última montagem assinada por Kapi foi “O Anjo Pornográfico”, de
Nelson Rodrigues, encenada no Sesc em 2012.
Após 11 dias no hospital Ferreira Machado, Kapi se foi dia 2 de abril de
2015. Seu velório e enterro recebeu milhares de pessoas em sua despedida.
Irreverente
e um cara a frente de seu tempo, ainda em vida Kapi deixou sua mensagem, de
como queria que fosse lembrado: “Um
desvairado que não coube em si”
Um exemplo de sua criatividade e genialidade está no poema “Um rio”. Escrito entre 1977 e 1978 este poema é o retrato perfeito
do atual estágio do Rio Paraíba do Sul. Como bem disse Artur Gomes “Exemplo mais que perfeito de que Poeta é a
Antena da Raça.” A lembrança de Kapi sempre deixará saudades. Abaixo o poema.
UM RIO
Era uma vez…
Um rio
Que de tão vazio,
já não era rio
e nem riachão,
tão pouco riacho.
Não era regato,
nem era arroio,
muito menos corgo.
uma vez…
um rio
que, de tanta cheia,
já não era rio
e nem ribeirão.
Era mais que Negro,
era mais que Pomba,
era mais que Pedra,
era mais que Pardo,
era mais que Preto,
bem maior ainda
que um rio grande.
Era uma vez…
um rio
que de tão antigo
era temporário,
era obsequente,
era um rio tapado
e antecedente.
Que não tinha foz,
que não tinha leito,
que não tinha margem
e nem afluente,
tão pouco nascente.
Mas que era um rio.
Não era das Velhas,
não era das Almas,
não era das Mortes.
Era um Paraíba,
era um Paraná,
era um rio parado.
Rio de enchentes,
rio de vazantes,
rio de repentes:
Um rio calado:
Sem Pirá-bandeira,
Sem Piracajara,
Sem Piracanjuba.
Em suas águas
não havia Pira
não havia íba,
não havia jica,
não havia juba.
Nem Pirá-andira,
nem Piraiapeva,
nem Pirarucu.
Era um rio assim:
Sem pirá nenhum.
Mas que era um rio.
Era uma vez….
Um rio.
Que, de tão inerte,
Já não era rio.
Não desaguou no mar,
não desaguou num lago,
nem em outro rio.
É um rio antigo,
que de tão contido
não é natureza.
Um dia foi rio,
há muito é represa.
Um rio
Que de tão vazio,
já não era rio
e nem riachão,
tão pouco riacho.
Não era regato,
nem era arroio,
muito menos corgo.
uma vez…
um rio
que, de tanta cheia,
já não era rio
e nem ribeirão.
Era mais que Negro,
era mais que Pomba,
era mais que Pedra,
era mais que Pardo,
era mais que Preto,
bem maior ainda
que um rio grande.
Era uma vez…
um rio
que de tão antigo
era temporário,
era obsequente,
era um rio tapado
e antecedente.
Que não tinha foz,
que não tinha leito,
que não tinha margem
e nem afluente,
tão pouco nascente.
Mas que era um rio.
Não era das Velhas,
não era das Almas,
não era das Mortes.
Era um Paraíba,
era um Paraná,
era um rio parado.
Rio de enchentes,
rio de vazantes,
rio de repentes:
Um rio calado:
Sem Pirá-bandeira,
Sem Piracajara,
Sem Piracanjuba.
Em suas águas
não havia Pira
não havia íba,
não havia jica,
não havia juba.
Nem Pirá-andira,
nem Piraiapeva,
nem Pirarucu.
Era um rio assim:
Sem pirá nenhum.
Mas que era um rio.
Era uma vez….
Um rio.
Que, de tão inerte,
Já não era rio.
Não desaguou no mar,
não desaguou num lago,
nem em outro rio.
É um rio antigo,
que de tão contido
não é natureza.
Um dia foi rio,
há muito é represa.
Antônio Roberto Góis Cavalcanti (Kapi)
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