Quarenta e três anos após o jornalista Vladimir Herzog ser preso, torturado e assassinado
no DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de
Defesa Interna) de São Paulo, a Corte
Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro
pela primeira vez por um crime da ditadura
militar como crime contra a humanidade. Em decisão histórica, o tribunal entendeu, por unanimidade, que
mecanismos como a Lei da
Anistia não excluem o dever de investigar e de punir
responsáveis por violações.
De acordo com a decisão, o Estado brasileiro deve realizar uma investigação
criminal dos fatos ocorridos em 25 de outubro de 1975 para "identificar,
processar e, no caso, punir os responsáveis pela tortura e morte de Vladimir
Herzog devido à característica de crime de lesa-humanidade dos acontecimentos e
das correspondentes consequências jurídicas dos mesmos para o direito
internacional".
A sentença determina também que as instituições brasileiras
reconheçam, sem exceção, a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade e
que seja realizado um ato público de reconhecimento de responsabilidade
internacional pela violência praticada contra o jornalista e pela falta de
investigação dos crimes.
No entendimento da Corte, o Estado brasileiro é responsável por violar
direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humano e na Convenção
Interamericana para Prevenir e Sancionar a Tortura, causando danos aos
familiares Zora Herzog, Clarice Herzog, Ivo Herzog y André Herzog - respectivamente
mãe, esposa e filhos do jornalista - pela falta de investigação, julgamento e
punição dos responsáveis pelos crimes "cometidos em um contexto
sistemático e generalizado de ataques a população civil".
A corte também condenou a aplicação da Lei da Anistia e de outros
mecanismos de exclusão de responsabilidades proibidos pelo direito
internacional em casos de crime contra a humanidade.
De acordo com a sentença, o Estado brasileiro deve pagar US$ 20 mil à
Clarice Herzog, pelos gastos com processos judiciais "diante de tribunais
nacionais e das 100 instâncias internacionais durante 20 anos". Também
devem ser pagos US$ 40 mil a cada um dos 4 familiares por danos imateriais
causados pelo sofrimento durante as últimas décadas. Como Zora faleceu em 2006,
o valor deve ser repassado a seus descendentes.
Caberá ainda o pagamento de US$ 25 mil ao Centro de Justiça e Direito
Internacional (Cejil), ONG responsável pela defesa dos direitos humanos na
Corte, e de US$ 4.260,95 ao Fundo de Assistência Legal de Vítimas da Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
O Estado brasileiro tem um ano após ser notificado da sentença para
informar ao tribunal sobre as medidas adotadas. Em seguida, o processo será
supervisionado pela Corte.
Uma semana após o assassinato, mais de 8 mil pessoas participaram de um
culto ecumênico na Catedral da Sé, em São Paulo.
As violações contra Vladimir
Herzog se tornaram símbolo da ditadura militar. Uma semana após o assassinato,
mais de 8 mil pessoas participaram de um culto ecumênico na Catedral da Sé, em
São Paulo.
Em 24 de outubro de 1975, agentes
do Exército convocaram Vlado para prestar depoimento sobre ligações com o
Partido Comunista Brasileiro, que atuava na ilegalidade durante o regime
militar. No dia seguinte, ele foi espontaneamente ao prédio do DOI-CODI, onde
prestou depoimento em que negou qualquer relação com o partido.
À época do crime, a morte do
jornalista foi oficialmente explicada como um suicídio, supostamente praticado
com um cinto amarrado ao pescoço dele e preso a uma janela da cela DOI-CODI.
Chegou a ser divulgada uma foto de Vladimir morto. Posteriormente, o autor da
imagem, Silvaldo Leung Vieira confessou a "farsa do suicídio".
Em 1978, a Justiça brasileira, em
sentença proferida pelo juiz Márcio José de Moraes, condenou a União pela
prisão ilegal, tortura e morte de Vladimir Herzog. Em 1996, a Comissão Especial
dos Desaparecidos Políticos reconheceu oficialmente que ele foi assassinado e
concedeu uma indenização à sua família, que não a aceitou, por julgar que o
Estado brasileiro não deveria encerrar o caso dessa forma.
O atestado de óbito só foi retificado
mais de 15 anos depois. Em 2012, a Justiça de São Paulo determinou a alteração
do motivo da morte de "asfixia mecânica" para "morte que
decorreu de lesões e maus-tratos sofridos na dependência do II Exército de São
Paulo (DOI-CODI)". A mudança foi feita após pedido da Comissão da
Verdade, por solicitação da família do jornalista.
À época do crime, a morte do
jornalista foi oficialmente explicada como um suicídio, supostamente praticado
com um cinto amarrado ao pescoço dele e preso a uma janela da cela DOI-CODI.
Crime contra a humanidade
O caso chegou à Corte
Interamericana de Direitos Humanos porque o Estado brasileiro não realizou não
realizou as investigações pela morte do jornalista, mesmo após relatório da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) determinar a investigação, o
processamento e a punição dos envolvidos.
A Corte é um órgão judicial
autônomo, criado pela OEA (Organização dos Estados Americanos), para
interpretar e aplicar tratados de Direitos Humanos, entre eles a Convenção
Americana de Direitos Humanos.
No Brasil, houve 3 tentativas de
investigação do caso. A primeira, logo depois do crime, pela própria Justiça
Militar, concluiu pelo suicídio do jornalista. Na segunda, em 1992, o
Ministério Público do Estado de São Paulo pediu a abertura de um inquérito com
base em novas informações, mas o Tribunal de Justiça decidiu pelo arquivamento,
com base na Lei da Anistia. Em 2009, houve ainda uma tentativa do Ministério
Público Federal, que também resultou em prescrição.
Promulgada em 1979, a Lei da
Anistia reverte punições aos cidadãos brasileiros que, entre 1961 e 1979, foram
considerados criminosos políticos pelo regime militar. No entendimento da
Comissão Nacional da Verdade, contudo, a lei não poderia incluir agentes
públicos que realizaram crimes como detenções ilegais e arbitrárias, tortura,
execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres, pois tais
violações são incompatíveis com o direito brasileiro e considerados crimes
contra a humanidade, não passíveis de anistia.
A norma ganhou força, contudo, em
2010, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) confirmou a interpretação
vigente de que, em função de um acordo político, a Anistia beneficiou tanto os
perseguidos políticos quanto os agentes de Estado e particulares que os
perseguiram.
Neste cenário, em dezembro de
2007, o procurador regional da República, Marlon Alberto Weichert, do estado de
São Paulo, ofereceu uma representação à Corte Interamericana de Direitos
Humanos em que pede a apuração dos crimes contra Vladimir Herzog.
(Publicado in NOTÍCIAS - 4/7/2018)
Um comentário:
Essa corte tem muito o fazer no nosso Brasil.
Quanto ao Bolsonaro( nem sei escrever o nome) também merece um castigo.
Alcina.
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