segunda-feira, 23 de abril de 2018

ARTIGO DA MINHA AMIGA DALVA SILVEIRA. LEIAM COM CARINHO.



Compartilho com você o Suplemento do Jornal Literarte, de março de 2018, dedicado à publicação do artigo “Geraldo Vandré em João Pessoa: um concerto e um encontro de puro sentimento e arte!”, que escrevi com muita alegria! Ter participado de um momento muito esperado e que considero muito importante para a história da cultura brasileira, me trouxe muito conforto e esperança, num tempo de tantos rancores e dissabores! Espero que você tenha a mesma sensação ao ler o texto! Salve a poesia e a música brasileira!
Abraços,
Dalva Silveira

Preâmbulo       

Em 1968, no auge de sua carreira, com a consagração da música “Pra não dizer que não falei das flores”, o compositor Geraldo Vandré tornou-se um ícone daquele período histórico, mas, também, alvo de perseguições políticas. Em excursão pelo Brasil, apresentou-se em território brasileiro, pela última vez, no dia 12 de dezembro de 1968, em Goiás. Lá saberia do ato institucional, promulgado no dia seguinte, e, ao ter consciência dos riscos que corria, entrou em seguida na clandestinidade. Em fevereiro de 1969, o artista partiu para o exílio. Em 1973, ao retornar para o Brasil, encerrou prematuramente sua carreira musical. Agora, nos dias 22 e 23 de março de 2018, o artista voltou aos palcos no Brasil depois de 50 anos, em apresentação histórica em João Pessoa, sua cidade natal.  Dalva Silveira teve o prazer de estar presente nestes memoráveis eventos e descreve essa sua experiência em artigo emotivo e reflexivo, escrito no calor dos acontecimentos.
Em 1968, no auge de sua carreira, com a consagração da música “Pra não dizer que não falei das flores”, o compositor Geraldo Vandré torna-se um ícone daquele período histórico, mas também alvo de perseguições políticas e parte para o exílio. Em 1973, ao retornar para o Brasil, encerra prematuramente sua carreira musical. Com base na seleção e análise de 68 matérias sobre o cantor, publicadas em jornais e revistas brasileiras, de 1966 a 2009, este trabalho propõe abordar as contribuições da mídia impressa brasileira para que ocorresse uma espécie de mitificação do cantor Geraldo Vandré e a associação de sua imagem às ideias de protesto.
Vandré é, ao mesmo tempo, uma figura exemplar e singular: é um caso típico do artista envolvido com a contestação ao regime militar entre os anos de 1964 e 68, perseguido, censurado, exilado e repatriado. Mas, diferentemente de outros, como, por exemplo, Caetano Veloso e Gilberto Gil, que, como ele, passaram pelo mesmo processo sócio-histórico, o compositor não retornou à carreira artística e transformou-se em uma figura controversa.
Geraldo Vandré é, ao mesmo tempo, uma figura exemplar e singular: é um caso típico do artista envolvido com a contestação ao regime militar entre os anos de 1964 e 68, perseguido, censurado, exilado e repatriado. Mas, diferentemente de outros, como, por exemplo, Caetano Veloso e Gilberto Gil, que, como ele, passaram pelo mesmo processo sócio-histórico, o compositor não retornou à carreira artística.
Geraldo Vandré em João Pessoa: um concerto e um encontro de puro sentimento e arte!

Dalva Silveira*

Torno público agora um texto escrito no calor dos acontecimentos e preenchido por impressões e sentimentos pessoais acerca da cidade, do histórico concerto e do encontro com o memorável artista. Esses eventos, por serem extremamente sensíveis, estão longe de ser completamente dizíveis. Sendo assim, tentarei compartilhar um pouco de minhas lembranças sobre esses momentos valorosos de minha vida.
Chegamos a João Pessoa no entardecer do dia 21 de março de 2018 e presenciamos um apagão que assolou partes das regiões Norte e Nordeste do Brasil. Mas posso dizer que se a entrada na aconchegante cidade se deu no escuro, todo o transcorrer da visita foi preenchido por muita luz.
No dia 22 de março, durante o dia, senti-me energizada pelo compartilhamento de ideias entre um grupo de cinco admiradores do artista Geraldo Vandré que se dirigiram a João Pessoa para assistir ao concerto. Éramos duas mineiras, eu e minha adorável irmã, Márcia Maria, e três queridos paulistas, a saber: Sonia Chébel, guardiã de uma gravação histórica do compositor ainda dos anos de 1960, seu esposo, Alceu Sparti,e o escritor Vitor Nuzzi. Nós nos unimos através da obra do Vandré. Também me revigoraram a leveza dos pessoenses e um“céu fundo e um mar bem largo”, muito bem traduzidos por Geraldo Vandré,  que preenchem a hospitaleira cidade.
À noite, inicialmente, senti-me encantada pelo monumental e moderno Centro Cultural José Lins do Rego e acolhida pela confortável Sala Maestro José Siqueira, com capacidade para apenas 570 pessoas. O local, escolhido de modo coerente pelo artista,  além de ter dado um tom intimista ao evento, fugiu  aos padrões dos shows que refletem a arte de consumo e a cultura de massas, temas que vêm sendo criticados por Geraldo, que se apresentou em espetáculo gratuito.
Maior encanto foi se dando com o decorrer da apresentação do Recital intitulado  “Música e Poesia da Capitania de Wanmar”, que  transbordou muita poesia.No primeiro ato, Geraldo Vandré, sempre afável e carinhoso com a amiga, pianista e cantora Beatriz Malnic, agradeceu-lhe e atribuiu a ela a possibilidade de expressar a sua arte. Iniciou-se a noite com um dueto em que se percebeu muita entrega e sintonia entre os intérpretes. Ao ouvir a voz do compositor, fui tomada por um sentimento nostálgico que me remeteu às performances de suas apresentações durante os anos de 1960. Sua voz contundente e forte estava em sintonia com um tempo de idealismo, paixão pela arte e crença numa transformação e num futuro promissor para o país. A pianista, por sua vez, apresentou voz doce e contagiante, criando uma maviosidade única. Os dois cantaram algumas composições, com destaque para “À minha pátria”, canção que muito me emocionou e foi repetida ao final do recital, devido aos pedidos de “mais um”.  O cantor, numa entrega total, também declamou alguns poemas, acompanhado pelo compositor e instrumentista AlquimidesDaera, que dedilhou, com muito sentimento, ora um violão e ora uma viola caipira. Em seguida, Beatriz tocou ao piano quatro cantinelas, feitas em parceria com Vandré, momento que me levou ao encontro de aprimoração artística e serenidade.  
A plateia também foi agraciada por um segundo ato, com o majestoso conjunto de sons da Orquestra Sinfônica da Paraíba que, sob a regência do maestro Luiz Carlos Durier e arranjos de Jorge Ribbas, artista que tive o prazer de conhecer e compartilhar conhecimentos, apresentou, juntamente com o esplêndido Coro Sinfônico da Paraíba, regida por Daniel Berg, as composições “Fabiana”, “À minha pátria” e a simbólica “Pra não dizer que não falei das flores”. Essa, conhecida popularmente como “Caminhando”, foi cantada pelo próprio compositor, num dos momentos mais emblemáticos do espetáculo. Porém, para mim, o momento mais significativo da noite se deu no seu fechamento, quando Darlan Ferreira,amigo e produtor musical  do compositor, entrega-lhe uma bandeira do Brasil, em que na faixa central vê-se escrito,  no lugar de "Ordem e Progresso", a expressão  “Somos todos iguais”, convite à uma reflexão sobre um dos maiores males do país e que, no meu entendimento, gera o caos em que nos vemos afogados: o egoísmo nas relações cotidianas e a enorme desigualdade social que assola a nossa pátria. Convidada por Geraldo, tive o enorme prazer de assistir novamente ao espetáculo no dia seguinte, 23 de março, e desses dois momentos trago comigo impressões em torno de diversidade artística, comprometimento, seriedade, espontaneidade, entrega e partilha.
Darlan Ferreira, muito atencioso, comunicou sobre um encontro que aconteceria entre eu, juntamente com os outros quatro admiradores do compositor, e Geraldo Vandré, durante a manhã do dia 23. Esse, assim como o recital, me proporcionou profícuas lições que levarei comigo para sempre. O longo bate papo, que transbordou sinceridade, foi acompanhado pela brisa matutina e deu-se em frente ao mar de águas cristalinas, iluminado pelo sol radiante e singular de João Pessoa. O artista, de modo descontraído, trouxe à tona memórias de sua infância, da vida escolar, de sua relação afetiva com o pai e com os amigos,de seu amor à Paraíba e de seu exílio. De nossa conversa, além de várias reflexões, ficou uma bela imagem do artista, uma pessoa simples, de extrema inteligência e conhecimento, que preza valores que eu considero imprescindíveis, tais como coerência, honestidade, sinceridade, família, amizade e conhecimento.
 Algumas expressões do compositor ficaram gravadas na memória, como a máxima “o mundo não tem lógica”. Para mim, talvez essa consciência da irracionalidade das coisas pode ter sido determinante para que o cantor se apartasse do mundo e voltasse para dentro de si mesmo, lugar onde devemos procurar todas as respostas que procuramos.
O encontro me proporcionou uma felicidade ainda mais especial: a avaliação positiva que o artista fez de minha obra, considerada por ele muito rica em informações e, dos livros escritos sobre ele, “o mais honesto”. Prezo muito esse adjetivo! Nesse momento, senti-me leve e emocionada, por concluir que havia alcançado o meu maior objetivo, ao dedicar, com paixão e sinceridade, seis anos de minha vida em pesquisas sobre a trajetória do compositor: escrever uma obra respeitosa, na contramão de muitos julgamentos rasos e irresponsáveis com os quais me deparei.  Tentei apresentar uma análise cuidadosa, histórica e sociológica que tentasse explicar os fatores que levaram esse compositor ímpar a interromper prematuramente sua carreira artística. Então, lamento a consequente perda cultural para a sociedade brasileira ocasionada pelo seu afastamento do cenário musical brasileiro por quase 50 anos. Acho que o Geraldo tem razão quando diz que “o mundo não tem lógica”. Concluo este depoimento com uma breve análise subjetiva sobre a letra de uma canção, uma de minhas preferidas, cuja temática é o amor: “Pequeno concerto que ficou canção”. A composição, talvez, possa auxiliar na tentativa de encontrar um sentido para o fato de o compositor ficar tantos anos sem cantar em público:

“Não
Não há por que mentir ou esconder
A dor que foi maior do que é capaz meu coração
Não
Nem há por que seguir
Cantando só para explicar
Não vai nunca entender de amor
Quem nunca soube amar.
Ah...
Eu vou voltar pra mim
Seguir sozinho assim
Até me consumir
Ou consumir
Toda essa dor
Até sentir de novo
O coração
Capaz de amor.”

Para mim, o recital e o encontro foram a mais pura demonstração de um coração “capaz de amor”. 

* Doutora e Mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP; Graduada em História pela UFMG; Especialista em Ensino Técnico pelo CEFET-MG. Autora do livro Geraldo Vandré: a vida não se resume em festivais (Fino Traço). E-mail: dalvasilveira@yahoo.com.br.

           




                       

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