Por
Eduardo Waack *
Muito
já se comentou e escreveu sobre o poeta Rogério Salgado. Homem do povo, de
hábitos simples e cordiais, sua vida espelha sua obra. Ao longo das últimas
quatro décadas, seu nome é uma constante nas manifestações culturais de nosso
país. Seu livro de estreia, “Tontinho”, foi publicado em 1982, e a partir daí
uma série de lançamentos edificaram um caminho que é vasto e acessível,
inspirado e acolhedor. Pois Rogério já pregava, em Meio Termo: “Entre o ser lúcido / e o ser pirado / pô, baby
/prefiro ser inspirado”.
Em
sua aplaudida produção destacamos o recente “Naqueles Tempos da Arte Quintal”
(2018), onde ele resume a trajetória da revista Arte Quintal, importante expoente do movimento literário
independente criado por ele, Ecivaldo John e Virginia Reis em 1983, e que teve
a adesão de Wagner Torres. Naquele tempo em que a internet, sites & blogs,
redes sociais não existiam, nós escritores divulgávamos nosso trabalho através
de cartas enviadas pelo correio aéreo (que a gente postava e não tinha certeza
se chegariam ou não), cartazes e mostras artesanais, e algumas poucas
publicações mimeografadas ou xerocadas. Essas eram vistas como um farol a nos
iluminar e guiar, indo na contramão dos grandes veículos de comunicação
dominados pelo sistema.
A
revista Arte Quintal existiu até 1992,
e em seus dez números abrigou uma constelação de músicos, escritores, poetas,
cineastas, artistas-plásticos em geral e livre-pensadores. Ali, o consagrado e
o iniciante conviviam lado a lado, numa rara comunhão. Eu mesmo fui assinante
dessa revista que de certa forma influenciou minha trajetória ao criar o jornal
O Boêmio em 1991 — com intensa
participação de Rogério Salgado. Aí está o mérito desse livro: resgatar um
momento heróico em que certos poemas eram escritos com sangue e gravados a
ferro e fogo, indeléveis, na alma de cada leitor.
O
Brasil atravessou uma feroz ditadura, diluiu-se nas regras do mercado
financeiro internacional e chafurdou no lamaçal da corrupção que ainda hoje nos
assola. Mas o exemplo daqueles meninos permanece a reverberar as palavras de
Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Após o lançamento
de “Naqueles Tempos da Arte Quintal”, volume que inclui o livro de poemas “Baú
de Memórias”, o inquieto Rogério nos entregou outras preciosidades, como
“Glória”, livro dedicado ao centenário de nascimento de sua mãe, a pianista
Glória Salgado. E agora participa da antologia “Cem Poemas, Cem Mil Sonhos”,
homenagem aos 50 anos da Passeata dos Cem Mil (a maior manifestação popular
contra a ditadura militar no país, realizada em 1968 no Rio de Janeiro).
Rogério
Salgado é o homem certo no local certo, pois ele faz e não espera acontecer.
Sua poesia espontânea e ao mesmo tempo culta, suas realizações como os
prestigiados Belô Poético (Encontro Nacional de Poesia), In/Sacando a Poesia e
Poesia na Praça Sete, que reuniram multidões, e seu apoio às causas políticas e
libertárias fazem dele um dos grandes visionários de nossa época, espírito
generoso e iluminado, coração aberto, sem trancas, simpático. Não espere encontrá-lo
em sofisticados eventos sociais ou no falso glamour das panelinhas excludentes.
Poeta popular, a rua é o seu meio, e a verdade a sua meta. Sem meio termo.
* Eduardo
Waack* é jornalista e escritor, autor de “Canções do Front”, poemas, 1986. Reside em
Matão-SP.
*Na foto ao lado de Anderson Ricardo,
um dos admiradores do poeta Rogério Salgado.
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