sexta-feira, 26 de abril de 2019

ROGÉRIO SALGADO E A REVISTA ARTE QUINTAL



Por Eduardo Waack *

Muito já se comentou e escreveu sobre o poeta Rogério Salgado. Homem do povo, de hábitos simples e cordiais, sua vida espelha sua obra. Ao longo das últimas quatro décadas, seu nome é uma constante nas manifestações culturais de nosso país. Seu livro de estreia, “Tontinho”, foi publicado em 1982, e a partir daí uma série de lançamentos edificaram um caminho que é vasto e acessível, inspirado e acolhedor. Pois Rogério já pregava, em Meio Termo: “Entre o ser lúcido / e o ser pirado / pô, baby /prefiro ser inspirado”.
Em sua aplaudida produção destacamos o recente “Naqueles Tempos da Arte Quintal” (2018), onde ele resume a trajetória da revista Arte Quintal, importante expoente do movimento literário independente criado por ele, Ecivaldo John e Virginia Reis em 1983, e que teve a adesão de Wagner Torres. Naquele tempo em que a internet, sites & blogs, redes sociais não existiam, nós escritores divulgávamos nosso trabalho através de cartas enviadas pelo correio aéreo (que a gente postava e não tinha certeza se chegariam ou não), cartazes e mostras artesanais, e algumas poucas publicações mimeografadas ou xerocadas. Essas eram vistas como um farol a nos iluminar e guiar, indo na contramão dos grandes veículos de comunicação dominados pelo sistema.
A revista Arte Quintal existiu até 1992, e em seus dez números abrigou uma constelação de músicos, escritores, poetas, cineastas, artistas-plásticos em geral e livre-pensadores. Ali, o consagrado e o iniciante conviviam lado a lado, numa rara comunhão. Eu mesmo fui assinante dessa revista que de certa forma influenciou minha trajetória ao criar o jornal O Boêmio em 1991 — com intensa participação de Rogério Salgado. Aí está o mérito desse livro: resgatar um momento heróico em que certos poemas eram escritos com sangue e gravados a ferro e fogo, indeléveis, na alma de cada leitor.
O Brasil atravessou uma feroz ditadura, diluiu-se nas regras do mercado financeiro internacional e chafurdou no lamaçal da corrupção que ainda hoje nos assola. Mas o exemplo daqueles meninos permanece a reverberar as palavras de Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Após o lançamento de “Naqueles Tempos da Arte Quintal”, volume que inclui o livro de poemas “Baú de Memórias”, o inquieto Rogério nos entregou outras preciosidades, como “Glória”, livro dedicado ao centenário de nascimento de sua mãe, a pianista Glória Salgado. E agora participa da antologia “Cem Poemas, Cem Mil Sonhos”, homenagem aos 50 anos da Passeata dos Cem Mil (a maior manifestação popular contra a ditadura militar no país, realizada em 1968 no Rio de Janeiro).
Rogério Salgado é o homem certo no local certo, pois ele faz e não espera acontecer. Sua poesia espontânea e ao mesmo tempo culta, suas realizações como os prestigiados Belô Poético (Encontro Nacional de Poesia), In/Sacando a Poesia e Poesia na Praça Sete, que reuniram multidões, e seu apoio às causas políticas e libertárias fazem dele um dos grandes visionários de nossa época, espírito generoso e iluminado, coração aberto, sem trancas, simpático. Não espere encontrá-lo em sofisticados eventos sociais ou no falso glamour das panelinhas excludentes. Poeta popular, a rua é o seu meio, e a verdade a sua meta. Sem meio termo.

 * Eduardo Waack* é jornalista e escritor, autor de “Canções do Front”, poemas, 1986. Reside em Matão-SP.

*Na foto ao lado de Anderson Ricardo, um dos admiradores do poeta Rogério Salgado.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

“CEM POEMAS, CEM MIL SONHOS” - Homenagem aos 50 anos da Passeata dos Cem Mil: maior manifestação popular contra a Ditadura Militar no país”


Por Rogério Salgado

“Mataram um estudante. Podia ser seu filho”

Apesar de mais de 40 anos de carreira literária e mais de 30 livros publicados, considero dois livros que foram divisores de águas na minha carreira literária: em primeiro “AI-5” (Baroni Edições), livro lançado dia 13 de dezembro de 2016, na Assembléia Legislativa de Minas Gerais, dia este em se comemorava (se é que um ato perverso como esse se poderia comemorar) 48 anos daquele que foi o pior acontecimento acontecido neste país, em seus 619 anos de invasão (Cabral invadiu essas terras. Não se descobre uma terra onde já havia habitantes). Este livro, idéia criada por mim e o poeta Irineu Baroni, que criou a capa e o projeto gráfico, o livro teve prefácio do ex Deputado Federal Nilmário Miranda e teve além de mim e Irineu, Biláh Bernardes, Helenice Maria Reis Rocha e Petrônio Souza Gonçalves como co autores, tendo como convidados a poeta e artista plástica Neuza Ladeira, uma das vítimas da ditadura e do AI-5; Christina Rodrigues, historiadora, que traçou um perfil histórico da época e Dalva Silveira, escritora e pesquisadora, que fez uma análise sobre a influência do AI-5 na cultura brasileira.
Em segundo,  “CEM POEMAS, CEM MIL SONHOS” - Homenagem aos 50 anos da Passeata dos Cem Mil: maior manifestação popular contra a Ditadura Militar no país” (Starling), livro lançado dia 13 de abril último no Sesc Paladium, em Belo Horizonte-MG, organizado pelo poeta e filósofo Rodrigo Starling, com prefácio da escritora e pesquisadora Dalva Silveira, contendo uma entrevista com o histórico ativista e ex Deputado Federal Wadimir Palmeira, tendo como autores, além de  mim e Rodrigo Starling, os poetas Adilson Quevedo, Aldirene Máximo, Alexandra Magalhães Zeiner, Almir Zarfeg, Ana Sampaio, André Siqueira, Biláh Bernardes, Brenda Mars, Bruno Candéas, Cláudio Márcio, Clevane Pessoa, Edison de Almeida, Elisa de Jesus, Evilásio Júnior, Fabiano Mendonça, Fátima Sampaio, Fernanda Liberato, Helenice Maria Reis Rocha, Hyanna da Cunha, Isabella Bretz, Ismael Rocha, João Evangelista Rodrigues, José Hilton Rosa, Jullie Veiga, Leandro Campos Alves, Luiz D Salles, Luiza Silva Oliveira, Manoel Barbosa, Maria Luiza Mota, Maria Tereza Camargo Regina Moreira, Maria Tereza Penna, Marianne Stoklasa, Mauro Morais, Nando Herrera, Noélia Ribeiro, Odenir ferro, Roger Willian, Ronilson de Sousa Lopes, Rubens Jardim, Tchello D`Barros, Tilden Santiago, Trabion, Viviane Castelleoni e Virgilene Araújo. O livro é dedicado ao estudante Edson Luís de Lima Souto, que aos 18 anos foi assassinado pelo aspirante da PM Aloísio Raposo.
HISTÓRICO 
Para quem não conhece nossa história e poderá não conhecê-la, já que existe um interesse do Ministério da Educação de mudá-la, a Passeata dos cem mil foi uma manifestação popular contra a Ditadura Militar no Brasil. Organizada pelo movimento estudantil, em  junho de 1968, na cidade do Rio de Janeiro, contou com a participação de artistas, intelectuais e outros setores da sociedade brasileira.
Prisões e arbitrariedades eram as marcas do governo militar frente às crescentes manifestações dos estudantes contra a ditadura que se instalara no país, em 1964. A repressão policial atingiu seu apogeu em março de 1968, com a invasão do restaurante universitário "Calabouço", onde os estudantes protestavam contra a elevação do preço das refeições. Durante a invasão, o comandante da tropa da PM, aspirante Aloísio Raposo, matou o secundarista Edson Luís de Lima Souto, de 18 anos, com um tiro à queima roupa no peito.
Diante da repercussão negativa deste e outros episódios, o comando militar acabou permitindo uma manifestação estudantil. Logo pela manhã de 26 de junho, os participantes da passeata já tomavam as ruas da Cinelândia, no centro da capital; A marcha começou às 14h, alcançando rapidamente cerca de 100 mil pessoas. Foi uma das maiores e mais expressivas manifestações populares da história republicana brasileira.
Tendo à frente uma enorme faixa, com os dizeres: "Abaixo a Ditadura. O Povo no poder", a passeata prosseguiu, durante três horas, encerrando-se em frente à Assembléia Legislativa, sem conflito com o forte aparato policial que acompanhou toda a manifestação.

COMO ADQUIRIR
O livro “CEM POEMAS, CEM MIL SONHOS” - Homenagem aos 50 anos da Passeata dos Cem Mil: maior manifestação popular contra a Ditadura Militar no país” poderá ser adquirido ao preço de R$ 28,00 (residentes fora da capital mineira, haverá inclusão de taxa de correios, que com certeza não passará dos
R$ 5,00 através da Starling Consultores Associados (SCA) – pelo Whatsapp +55  (31) 9 9292-9805.
skype: rodrigo.starling1


segunda-feira, 11 de março de 2019

“VAMOS TIRAR O PIJAMA?” DE RENATO VENTURA; UM LIVRO BOM EXEMPLO



Recebi das mãos do autor Renato Ventura, seu livro “Vamos tirar o pijama?” (Páginas Editora), título bastante sugestivo para o qual se propõe o livro.
Composto de 50 relatos, aos quais o autor entitula de “atos”, intercalado por alguns relatos pessoais, os quais aqui se intitulam “intervalos”, o livro aborda aquele que é, sem sombra de dúvidas um dos mais importantes projetos criados neste país nos últimos anos. Trata-se do projeto “Larutan”, que nada mais é do que a palavra natural ao contrário. O “Larutan”, que para uns seria um estilo de vida, nada mais é do que a dança para a melhor idade, o que seu criador faz com o coração aberto e que mereceu em 2016, o Prêmio Bom Exemplo, da Rede Globo Minas, com mais de noventa mil votos.
Em suas 120 páginas, encontramos relatos ora do autor, ora de alunos, que nos mostra a nós, leitores, o bom exemplo desse projeto audacioso, o qual ajudou por exemplo, o Sr. Aristides, que após sofer acidente de carro e tido uma fratura na região do quadril, passou da cadeira de rodas para as muletas e dalí para a bengala. Também da Dona Maria, que foi casada e que o marido a espancava. Ao ficar viúva, encontro neste projeto, seus problemas de saúde e de viver. Essas são apenas duas das personagens, em que o leitor encontrará muito mais nas páginas desse livro.
Renato Ventura com “Vamos tirar o pijama?” não se propõe ser um grande escritor, muito pelo contrário, aqui ele procura ser apenas um ser mais humano e levar aos leitores as experiências de seu revolucionário projeto “Larutan”, para que outros que precisem de ajuda, possam se beneficiar desse trabalho humanitário ao qual vem se propondo realizar.
Reneto Ventura, como bailarino e coreógrafo profissional foi premiado em festivais nacionais e internacionais. É formado em Educação Física e pesquisador da cultura brasileira. Como professor, trabalha há mais de 20 anos com a terceira idade.
“Vamos tirar o pijama?” é um livro exemplo e que precisa ser lido por pessoas de todas as idades.


quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

“COM O CORAÇÃO NA BOCA” DE VINICIUS FERNANDES CARDOSO



Inicio o ano de 2019 comentando um livro que me marcou muito a sua leitura.
O escritor e poeta Vinicius Fernandes Cardoso traz a público seu “apanhado poético”, com patrocínio do Fundo de Incentivo à Cultura de Contagem. Trata-se de “Com o coração na boca” (Edição do autor).
Vinicius, ora Influenciado por grandes poetas clássicos da literatura brasileira e universal, ora pelos do universo beat; surpreende com uma interessante obra literária. O livro vem dividido em seis trabalhos escritos desde seus 17 anos, que são: “Arroubos e rompantes” (1999), “Leituras e andanças” (2004), “A alma dos bairros” (2007), “Nômade” (2008), “Novos poemas” (2009 em diante) e “Tirando a poesia do asfalto”.
Nesse apanhado poético observa-se que a obra vai se desvendando a cada página, principalmente porque o autor\poeta nos embriaga e inebria com inúmeras pistas de sua trajetória de vida, quase explicitando e desnudando sua alma. Realmente é o que se pode dizer: um trabalho “com o coração na boca”.  Sua escrita, ao mesmo tempo, que apresenta nuances clássicas, se expressa de maneira despojada. Sua poética poderia muito bem considerar-se inacabada, mas no sentido de que muito tem, ainda, a oferecer à nossa literatura. Um intenso sentimento existencial nas entrelinhas dos poemas enche o leitor aos poucos de ‘calmaria e graça’, sem pressa e sem pressão. Os poemas apresentados, principalmente na primeira obra, são ótimos para uma reflexão sobre a nossa literatura brasileira, principalmente aos jovens que buscam uma boa arte poética. A forma como o livro foi dividido (partes que são na verdade, livros completos) não cansa o leitor, mas o emociona com a profundidade vivencial, sentimental e existencial do autor, pois cada um deles representa a época em que foi escrito. Enfim, um trabalho de expressivo valor. Se a dedicatória por si só, se tornou extensa, cabe aqui o que bem disse Leila Miccolis, maior representante do Movimento Marginal Literário Brasileiro, quando afirma que a única coisa que nenhum crítico tem o direito de se manifestar numa obra alheia, é sobre a dedicatória, já que a mesma trata-se de algo muito pessoal do autor, por isso isenta de críticas.
Vinícius Fernandes Cardoso nasceu em Belo Horizonte-MG, em 1983. Em 13 de outubro de 2001, com outros sete criadores literários de Contagem-MG, fundou a Academia Contagense de Letras (ACL). Desde 2004 colabora com o Jornal Regional Contagem.
“Com o coração na boca” é um trabalho bem burilado, inclusive pelo esmero que se nota desde a escolha do papel\miolo, fotografias de capa contracapa e do seu contexto geral. Vale conferir.


sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Meus destaques literários em 2018


E eis que 2018 chega a seu final com lançamentos expressivos na literatura brasileira. E como um bom leitor, que sou, li muitos livros ao longo do ano, mas dois se destacaram nessas minhas leituras. O livro da escritora Dalva Silveira e o do antropólogo e escritor Romeu Sabará.
“De Realidade a Caros Amigos: a Turma do Ex-, imprensa alternativa e seu legado” (Grupo Editorial Letramento) foi para mim, uma fonte de conhecimento, daquilo que eu não conhecia. O livro nos fala da imprensa alternativa, principalmente da turma da revista “Ex” um grupo de jornalistas que, em 1968, foram cerceados pela repressão militar e, através de uma demissão coletiva, saíram da revista Realidade (Editora Abril), se uniram e, em 1970, juntamente com outros jornalistas criaram O Bondinho, Grilo e Ex-. Nesse último, publicariam a primeira matéria sobre Geraldo Vandré, depois de sua volta do exílio e a única reportagem a respeito da morte de Vladimir Herzog, ocorrida em outubro de 1975, o que acabou provocando o fechamento do jornal. O livro aborda muito mais do que apenas a revista “Ex”, fala de uma parte obscura da nossa história, que muitos querem negar: vivemos sim, uma ditadura sem liberdades em todos os seus aspectos gerais e restritos. É um livro urgente para
quem não se situa nessa história recente do país e em sua fraqueza, busca uma intervenção militar no Brasil, numa maneira covarde de não encarar que a responsabilidade de mudar é de cada um e não de determinado grupo que a fariam em nosso nome. Dalva Silveira publicou em 2011 “Geraldo Vandré: a vida não se resume em festivais” (Fino Traço). Contatos: dalvasilveira@yahoo.com.br
em suas “Memórias de um antropólogo brasileiro em plena ditadura” (Chiado Books), Romeu Sabará, como antropólogo e poeta, pesquisador e professor universitário, se aprofunda para nos fazer entender a fragilidade da democracia no Brasil. Democracia essa que, segundo Sabará: “existe e coexiste com um inconsciente coletivo de cunho golpista pronto para entrar em cena, quando os movimentos sociais avançam além dos limites que lhes são impostos.” Sem que sua obra deixe de ser uma contribuição original para a Antropologia Política, o autor trata do assunto de forma palatável para o cidadão comum, articulando, no texto, a prosa e a poesia, realidade social e metáfora da realidade. Como o autor também é poeta (e dos bons), o livro nos mostra também poemas. A narrativa de suas memórias desdobra-se em três blocos. Na primeira parte (1965 a 1969) fala sobre a sua opção pela antropologia e sobre sua formação inicial como antropólogo, com todas as suas limitações. Na segunda parte (1970 a 1984) procura estabelecer a relação estreita de causa e efeito entre a prisão em 1973 e a sua separação conjugal e divórcio litigioso que transcorreu entre 1972 e 1977. Na terceira parte (1985 a 1996) disserta sobre o assédio acadêmico de que foi vítima como pesquisador e professor de Antropologia Social, no Departamento de Sociologia e Antropologia da FAFICH/UFMG. Nessas três partes, vêm expostos os fatos sistematizados que fundamentaram suas reflexões antropológicas. E conclui suas reflexões mostrando a ligação existente entre o golpe militar de 1964, que instalou a ditadura militar no Brasil e o golpe congressual, jurídico e midiático, de 2016, que instalou o que o autor entende como sendo a nova ditadura – a ditadura civil. Contatos: romeusabara@uol.com.br



quinta-feira, 8 de novembro de 2018

“Braço de rio, pedaço de mar” de Petrônio Souza Gonçalves


Por Rogério Salgado

Gosto da poesia de Petrônio Souza Gonçalves desde “Um facho de sol como cachecol” (Realejo Livros e Edições-2015), primeiro livro de sua autoria a cair nas minhas mãos. Gosto porque sua poesia é uma poesia honesta, sincera e não dessas que são feitas a medida de régua, como se fosse um tratado de palavras. Sua poesia não é uma poesia preocupada com formas e estéticas, mas sim, preocupada com o sentimento do autor, que antes de ser poeta, é um ser humano. A técnica em sua poesia é resultado secundário em seus versos. Vi muito disso em Manuel Bandeira. Recebo agora “Braço de rio, pedaço de mar” (Realejo Edições-2018) que me encantou do inicio ao fim.
Vejamos seus versos: “Agora sei,\é tarde,\o que posso fazer?!\Nada mais tenho em você,\só lembranças\de sua doce presença,\lua em minha noite estrelada,\me mostrando as belezas do caminho.\Era tudo assim como um poema,\amor de macho e fêmea,\calmaria de riacho,\beleza de flores na janela.\meu cacho,\cidade prometida,\coisa boa dessa vida é passageira,\hoje é domingo,\amanhã,\segunda-feira.”
“Braço de rio, pedaço de mar” traz aquele sentimento de que a poesia, a verdadeira extraída da alma, ainda existe, apesar desses tempos imediatistas em que as redes sociais mentirosamente aproximam as pessoas, quando na verdade as mantém distantes e nesses tempos frios em que o melhor poeta é o que mais trabalha palavras do que sentimentos. Prova disso são os versos sensíveis de Petrônio Souza Gonçalves, quando nos diz: “Tudo cabe no poema.\Até nossas dores menores,\amores maiores.\O poema comporta tudo,\porque ele é sem fronteira,\entra dentro da gente\e vai,\silenciosamente,\poeticamente, a vida inteira.”
Petrônio Souza Gonçalves é jornalista, escritor e poeta. Publicou entre outros livros: “José Aparecido de Oliveira – O melhor mineiro do mundo”, É um dos autores do livro “AI-5” (Baroni Edições-2016) em co-autoria comigo, Bilá Bernardes, Helenice Maria Reis Rocha e Irineu Baroni. E é neste “AI-5” que li um dos mais belos poemas escritos por um poeta que tem sensibilidade de perceber a sua volta, além do seu umbigo, poema este escrito para o pequeno Aylan Kurdi, encontrado morto dia 02\09\2015, na praia da Turquia, após naufrágio da embarcação em que fugia da cidade Síria de Kobane, republicado neste “Braço de rio, pedaço de mar” e que nos diz: “Depois de morto\- somente depois de morto -\o pobre menino refugiado\ganhou o abraço,\o colo,\o afago\e a solidariedade da humanidade.”
“Braço de rio, pedaço de mar” tem projeto gráfico de Ronei Luiz, capa de Paulo Caruso, prefácio de Aldir Blanc.
E quem nos diz que: “O bom da vida\é repartir o pão\que a gente não tem,\a cada dia.” merece sim, nosso respeito, por antes de ser poeta, ser um Ser Humano.


segunda-feira, 22 de outubro de 2018

CARTA AO POVO MINEIRO - COMISSÃO DA VERDADE EM MINAS GERAIS



“Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada.”
Eduardo A. Costa (No caminho com Maiakóvski)

A eleição presidencial entrou nos dias decisivos. Face à grave situação do Brasil e às características de Jair Bolsonaro, a Comissão da Verdade em Minas Gerais – órgão não de governo, mas de Estado, cuja finalidade legal se realizou em fevereiro – pronuncia-se em nome de seu trabalho, lembrando a galeria infindável de horrores comprovados em sua apuração e coerente com as conclusões de seu Relatório Final.
O candidato da extrema-direita, em 30 anos de mandatos, nunca votou em projetos de lei favoráveis às classes populares e sempre aprovou políticas em benefício dos magnatas e poderosos. Ademais, sua carreira parlamentar primou por atos e declarações truculentas contra mulheres, negros e outros segmentos discriminados.
O candidato que defende o golpe de 1964, com os seus crimes – torturas, assassinatos, perseguição aos oposicionistas, ataque às universidades, intervenções nas entidades sindicais e eliminação das liberdades democráticas –, prega o retorno ao regime ditatorial-militar que mergulhou a Nação no seu período mais sombrio.
O candidato vassalo da geopolítica estadunidense quer privatizar as empresas estatais, eliminar as conquistas trabalhistas, destruir a Previdência e acabar com as políticas sociais. Confunde segurança pública com extermínio e guerra civil. Pretende suprimir o regime democrático, os direitos fundamentais e as liberdades civis.
O candidato que prega o ultra liberalismo econômico, o entreguismo antinacional, o reacionarismo político, o obscurantismo cultural, o falso-moralismo conservador e a intolerância perante as diferenças, também pratica métodos fascistas de ação, como preconceito, intimidação, mentira e ódio a tudo que discrepa de seus dogmas.
O candidato que tenta enganar algumas parcelas da população e transformar o Governo em arma para submeter a si o Congresso, o Judiciário, os Entes Federativos e as próprias Forças Armadas – tornando-as uma turba policialesca à margem do profissionalismo e da legalidade – tem como propósito a instauração do arbítrio.
Portanto, este momento exige a união dos democratas e progressistas, para além dos partidos, ideologias, doutrinas políticas e opiniões individuais. Para quem defende os direitos humanos e demais interesses populares, a única opção civilizada e sensata à crise político-institucional é barrar já, nas urnas e nas ruas, o plano despótico em curso. As hordas liberticidas não roubarão de novo “a flor do nosso jardim”.

Belo Horizonte, 8 de outubro de 2018
Comissão da Verdade em Minas